“Contra” e o que aconteceu aos jogos de ação
Vivemos em uma época em que casos de
pedofilia na internet forçam nossas mães a se oporem ao nosso ingresso no
Facebook e casos de maníacos assassinos (como os de Realengo e Columbine) ajudam
a mídia a demonizar os jogos de ação (em especial os de tiro em primeira
pessoa). A mídia do Brasil, aliás, depois que descobriu que somos o quarto
maior mercado consumidor de games do mundo, tem dado sinais de desistência em
sua missão de denegrir os jogos digitais, apesar de tudo.
O fato é que os jogos de ação da atualidade
são bem mais adultos que os da “antigalidade” (ôe!). “Mais realistas”, diriam
alguns. É, pode ser. Não deixa de ser um ponto de vista. Mas, na minha opinião,
que nem sei se vale tanto assim, os games estiveram realistas lá pelo começo da
década de 2000. Agora eles estão é exagerados mesmo. Uma alegoria bem certeira
do que estou falando é o jogo ZombiU, recém debutado pela Ubisoft.
Tá certo que é um jogo de zumbis, portanto, o intuito é mesmo o de aterrorizar.
Há tiros com armas pesadas, esfaqueamentos, mutilações, e até suicídio – e é
claro: sangue, muito muito sangue. Mas há também responsabilidade da produtora
que, afinal, fez um jogo para
maiores de 18 anos, o que é sempre bom lembrar. Se um moleque de 9
anos vier a jogá-lo, já não é culpa da Ubi, e sim, descuido dos pais.
Os jogos de tiro incentivam pessoas a se
tornarem maníacos assassinos? Não tenho conhecimento em psicologia para
responder essa pergunta, mas sei que pessoas como o assassino do Realengo ou
Andres Brejvik, o maníaco da Noruega, fizeram o que fizeram sem que fossem
grandes jogadores de jogos de tiro – talvez até os jogassem, mas tal detalhe
não foi explorado. Alguns desses famosos assassinos de campus tão recorrentes
nos Estados Unidos têm sim largo histórico com jogos de tiro, mas... e daí? “Counter
Strike incentiva a sair por aí atirando”?, beleza. Mas, se não fossem os
jogos tidos como violentos, talvez outra coisa fizesse despertar esse lado
sombrio nesses famosos assassinos, não é mesmo? Afinal, psicopatia precisa de
muito mais do que um simples joguinho para ser despertada.
Eu sou defensor de outra teoria: a da
catarse. Digamos que eu saia matando todo mundo em GTA justamente para não
matar ninguém na vida real. Desculpa se não foi muito bonito o que você leu,
mas se quiser alguma coisa elevada vá ao Somos Todos Um, entre
numa aula de yoga ou clique aqui. O
que quero dizer é que, a menos que você seja um yogue, hare krishna ou profundo
praticante do misticismo, você deve sim passar por frustrações com os outros e,
vez ou outra, deve ter vontade de voar no pescoço de alguém – ou será que só
tem anjinhos lendo esse blog? Quando uma pessoa, já em idade apropriada,
se utiliza de um jogo violento, ela poderá usá-lo como catarse, para descontar
toda sua ira em personagens que não existem, ficando livre das tensões após
jogar. Funciona, mais ou menos, na mesma lógica do Jiu-Jitsu: tem gente que
luta pra aliviar as tensões, tem gente que se torna um respeitável competidor e
tem outros imbecis irresponsáveis que o aprendem pra sair na porrada na balada.
Quem não gostou da comparação, minha dica é: Alt + F4.
Pois bem. Defensorias a parte, é
interessante analisarmos o que, afinal, acabou sendo concebido de tão diferente
entre os jogos de ação de ontem e hoje.
“Plataforma” de tiro
Recentemente, dei o exemplo dos jogos do Robocop
que, nos anos 1990, eram em terceira pessoa e não passavam de jogos de
plataforma com uma arma na mão. Os jogos de tiro em primeira pessoa só foram
ficando possíveis conforme a tecnologia 3D foi entrando no mundo dos games –
abrindo espaço para o tal “realismo”.
Um jogo bastante emblemático dessa época
dos jogos de “'plataforma' de tiro” é Contra, lançado pela Konami em 1988. Já o
joguei – e zerei – várias vezes durante infância/pré-adolescência e, para a
época em que foi lançado, seu gráfico era excelente. O que Contra tinha que os
jogos de tiro de hoje em dia não têm? Recato. Quando nosso personagem morria,
ele caía desmaiado no chão. Quando matávamos um inimigo, ele explodia como
fosse fogos de artifício. Quem nasceu de 2000 pra cá não deve estar entendendo
essa parte: os pedaços dele não eram arremessados para todos os lados não. Ele
simplesmente explodia como um traque de festa junina e sumia! Sangue? JAMAIS.
Apenas engrenagens monstro passavam por processos de mutilação e, apesar de
haver personagens morrendo, ninguém era mostrado agonizando. Pois bem, um vídeo
pode explicar melhor:
Com essa descrição acima não quero
defender que os jogos de ação de antigamente eram bons e foram piorando. Apenas
havia o fato de que eles eram sim para crianças e quase que somente para elas.
Tinham a chamada “classificação livre”. Por isso, não podia ter sangue,
mutilação, vísceras pulando na tela, gente berrando igual porco quando é
alvejada por tiros, e coisas desse tipo. O público-alvo dos videogames era as
crianças – pré-adolescente no máximo.
E quanto a isso, as coisas mudaram muito.
Se antes havia um público para os jogos, hoje à um público
para cada jogo – e isso inclui faixas etárias. Na Europa, há
classificações oficiais que vão desde jogos “impróprios para menores de 3
anos”, “impróprios para menores de 7 anos”, até os “só para maiores”, nos quais
se incluem Zombi, Tomb Raider, Counter Strike, GTA, etc. No Brasil, a
classificação já pula de “livre” para “impróprio para menores de 10 anos”, mas até
tem sua eficiência.
Marcos
históricos
Mas para chegarmos à realidade gamer em que
vivemos hoje, foram necessários alguns vanguardistas no passado, que deram
origem a jogos que, quando lançados, fizeram um grande estardalhaço.
Vamos começar pelo fim, com GTA. Até hoje
me lembro de uma matéria exibida no Fantástico (É
FANTÁISH-TI-CU!!!!), lá por volta de 1998 ou 1999, à época do lançamento do primeiro Grand
Theft Auto (na verdade foi em 1997, mas a matéria foi ao ar algum tempo depois). Esqueçam qualquer frase feita do tipo “jornalista deve ser
imparcial”, pois o que se viu ali foi o repórter (sei lá se era o Pedro Bial,
mas era alguém desse naipe) descrevendo um jogo em que “o jogador ganhava
pontos ao atropelar velhinhas”. A intenção da matéria era, claramente, de
deixar a todos horrorizados (principalmente os pais) com a crueldade do jogo. Lembro que até uma
autoridade policial foi entrevistada nessa matéria, e o tal 'puliça' disse
coisas do tipo “um jogo horrendo desses é muito perigoso para nossos jovens” e
blá blá blá.
Não tenho números, mas sei que a Rockstar
Games, produtora do GTA, deve ter montado na grana com esse jogo, já que,
apesar das campanhas do “jornalismo cidadão”, o jogo foi um sucesso. O primeiro
de todos os GTA já virou história, tanto que é disponibilizado gratuitamente
para download na página da Rockstar Games. E, olhando hoje em dia, a gente
percebe que o jogo nem é lá essas coisas de “incentivo à violência”. Eu,
particularmente, acho um jogo bem fraquinho – importante pelo valor histórico,
é claro, mas fraquinho. Se, em 1999, soubessem do que a Rockstar seria capaz
nos jogos sucessores da série GTA, nem ficariam reclamando desse jeito. GTA
ganhou mais sangue, mais malemolência criminosa, prostituição (GTA San
Andreas tem direito até a uma viciada pagando boquete pra um
traficante) e armas insanas. Curiosamente, nunca mais se falou sobre GTA no
Fantástico, mesmo que o teor de violência de hoje seja 10000% maior que o
daquela época. Sabem que, nos dias de hoje, isso seria mais propaganda do que
“protejam nossos filhos”.
Prostituta no GTA: moral e bons costumes quedê? |
Se o assunto é sangue, porém, houve um jogo
ainda anterior ao GTA que quebrou essa barreira – pelo bem ou pelo mal que isso
signifique. Era o Mortal Kombat (Midway, 1992). O problema, nesse caso, é que
Mortal Kombat começou sua trajetória como jogo arcade (ou seja, daqueles
fliperamas que a gente comprava fichinha pra jogar, lembra? Ainda tem uns deles
perdidos periferia afora...).
Se hoje você compra um MK numa loja – ou o
camelô, vai saber – dá de cara com um selão enorme com o número 18, que diz pra
você que, se você não tiver essa idade, é melhor não jogar. Em 1990 e bolinha
isso não existia, portanto, a sanguinolência estava sim a mostra para todo
mundo. Eu sei que tem muita criança de 7 anos jogando Counter Strike em
lan houses por aí (mesmo sendo proibidão) sem o menor controle (alô Polícia
Federal, se alguém aí estiver lendo, saibam que não sou dono de Lan House, viu?
Um beijo!) e é justamente isso o que acontecia à época, salvas as comparações.
Polêmica foi, polêmica veio e, de fato,
Mortal Kombat deixou um enorme legado entre a cultura gamer e, apesar de uma
leve queda na qualidade, a franquia se reergueu e tem sido muito bem-sucedida
ultimamente. Da mesma forma, creio que ZombiU vai deixar, assim como
tantos outros. Os jogos de ação estão definitivamente separados dos jogos de
plataforma, de maneira como nunca se viu na década de 1990, e assim deverão
permanecer.
William é publicitário, roteirista, ator em formação e Sonicmaníaco. Curte jogos de plataforma, mas não dispensa um GTA ou Mario Kart.
“Contra” e o que aconteceu aos jogos de ação
Reviewed by Mestre Risada Forçada®
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5.12.12
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